O presente artigo aborda as condições impeditivas para o trabalho em altura com cordas, conforme definidas pela NR‑35 e seu Anexo de Acesso por Corda. O objetivo é orientar profissionais e empresas sobre fatores técnicos, ambientais, humanos e organizacionais que proíbem ou exigem a suspensão da operação. A proposta inclui entendimento da norma, boas práticas de avaliação de risco, critérios de interrupção de atividades e decisões seguras em cenários críticos.
NR‑35 e o Anexo de Acesso por Corda
Escopo da NR‑35
A NR‑35 estabelece os requisitos mínimos de segurança para trabalho em altura — definido como qualquer atividade executada acima de 2 m do nível inferior com risco de queda. A norma impõe que tais atividades sejam planejadas, organizadas e executadas com medidas que garantam a segurança e a saúde dos trabalhadores.
Campo de Aplicação do Anexo de Acesso por Corda
O Anexo I (Acesso por Corda), inserido pela Portaria MTE nº 593/2014, disciplina os procedimentos de progressão vertical, horizontal ou posicionamento por meio de cordas, exigindo pelo menos dois sistemas de segurança independentes — um para acesso e outro como corda de segurança, com cinturão tipo paraquedista.
O anexo se aplica a tarefas profissionais, não incluindo atividades recreativas, esportivas, arboricultura ou salvamento externo à equipe
Definição Legal de Condições Impeditivas
Conforme o Manual consolidado da NR‑35, condições impeditivas são “situações que impeçam a realização ou continuidade do serviço que possam colocar em risco a saúde ou a integridade física do trabalhador”.
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Essas condições podem incluir não apenas riscos ambientais, mas também a percepção do próprio trabalhador ou supervisor sobre seu estado momentâneo de saúde ou condições operacionais adversas .
Responsabilidades da Organização
A NR‑35 responsabiliza a empresa por diversas ações, entre elas:
- Garantir a implementação das medidas de proteção,
- Realizar análises de risco (AR) com inclusão de condições impeditivas,
- Elaborar procedimentos operacionais,
- Disponibilizar instruções de segurança acessíveis aos trabalhadores,
- Promover avaliação prévia das condições locais,
- Suspender trabalhos em caso de risco não previsto ou não mitigável imediatamente .
Capacitação e Treinamento no Acesso por Corda
O trabalhador deve passar por treinamento inicial e periódico (mínimo oito horas) com conteúdo que inclui:
- Normas aplicáveis ao trabalho em altura,
- Análise de risco e condições impeditivas,
- Riscos potenciais e medidas de controle,
- Sistemas de proteção coletiva,
- EPI: seleção, inspeção e limitações de uso,
- Condutas em emergência (resgate e primeiros socorros) .
Além disso, deve ser treinado para identificar condições impeditivas durante a execução do trabalho, podendo contribuir para o aprimoramento da AR .
Critérios Específicos para Acesso por Corda
- Durante a atividade, o trabalhador deve estar conectado simultaneamente a pelo menos duas cordas ancoradas independentemente .
- A exceção ao uso de dupla corda só é permitida quando a AR demonstra que a segunda corda traz risco maior e são implementadas medidas compensatórias adequadas .
Critério Objetivo: Velocidade do Vento
O Anexo I estabelece que o trabalho deve ser interrompido imediatamente se ventos superiores a 40 km/h forem observados. Em ventos entre 40 km/h e 46 km/h, pode-se autorizar o trabalho mediante justificativa formal, AR complementar assinada por equipe multidisciplinar, implantação de novas medidas de segurança e operação sob supervisão assistida .
Categorias de Condições Impeditivas do Acesso por Corda
Fatores Técnicos
- Ancoragens inadequadas ou instáveis
Situações em que os pontos de ancoragem não foram avaliados por profissional qualificado, não atendem aos requisitos de capacidade mínima ou estão sujeitos a vibrações ou movimentos que podem comprometer a segurança. Sem certificação adequada ou capacidade de suportar forças de queda, esses pontos tornam-se condições impeditivas claras para a realização do trabalho. - Equipamentos defeituosos, danificados ou com validade expirada
Isso inclui cordas semi‑estáticas com desgaste acentuado, mosquetões com deformações, cintos com costuras rompidas ou absorvedores de energia que já sofreram impacto e não foram substituídos. A NR‑35 exige inspeções prévias, e o uso de qualquer equipamento fora dos parâmetros seguros constitui condição impeditiva. - Método de acesso por corda inadequado para a tarefa ou ambiente
Utilizar técnicas de progressão ou posicionamento incompatíveis com a topografia, tipo de superfície ou altura pode gerar riscos insuportáveis. Um método inapropriado pode tornar impossível responder a emergências ou executar resgates eficazes. - Sistema de proteção contra queda inadequado
O sistema coletivo ou individual deve ser dimensionado conforme a AR. Qualquer falha no dimensionamento (por exemplo, distância de queda livre, fator de queda) sem solução viável torna a operação inviável até correção.
Fatores Ambientais
- Condições climáticas adversas
Ventos, chuva intensa, tempestades elétricas ou calor extremo podem criar condições de risco que impedem o trabalho com cordas. Por exemplo, ventos acima de 29 km/h já são considerados suficientes para interromper a atividade, conforme diretrizes de segurança. Exposição prolongada ao calor pode causar insolação ou choque térmico — afetando concentração e coordenação motora. - Visibilidade reduzida
Potenciais situações como neblina, fumaça ou iluminação insuficiente dificultam a percepção de riscos, posicionamento seguro e comunicação visual entre equipes. - Ambiente instável no entorno da operação
Isso inclui presença de tráfego intenso, queda de objetos, vibrações de máquinas próximas, movimentações de outras equipes ou alterações repentinas no entorno que comprometem a área de segurança. - Presença de energia externa
Aerogeradores, cabos energizados ou radiação (no caso de plataformas ou torres) representam riscos que podem ser impossíveis de controlar sem medidas estruturais reforçadas.
Fatores Humanos
- Estado de saúde do trabalhador
Situações como tontura, fadiga excessiva, mal-estar, intoxicação ou uso de medicamentos que comprometam a vigilância ou reação rápida são condições impeditivas por comprometer a sobrevivência em caso de queda. - Falta de capacitação ou autorização formal
Mesmo trabalhadores treinados devem possuir autorização formal atestando aptidão médica e técnica para trabalhar em altura. Sem isso, a operação é proibida por lei. - Condições psicossociais adversas
Fatores como estresse elevado, disputas dentro da equipe ou pressões externas podem afetar a tomada de decisão no campo. Um trabalhador em situação psicológica instável não deve realizar trabalho em altura.
Aspectos Organizacionais
- Ausência ou incompletude da Análise de Risco (AR)
A AR deve contemplar todos os riscos, mapear o seu entorno e listar condições impeditivas específicas. A falta de registro impede a conscientização da equipe e contraria os requisitos da norma. - Procedimentos operacionais incompletos ou desatualizados
Para atividades rotineiras, os procedimentos devem incluir detalhamento da tarefa, equipamentos, condições impeditivas, medidas de mitigação, responsabilidades e comunicação. A omissão de qualquer desses itens requer suspensão da atividade até atualização. - Supervisão inadequada ou ausente
A NR‑35 exige supervisão da execução conforme peculiaridades da tarefa. Sem supervisor treinado e presente, a prática torna-se insegura. - Permissão de Trabalho (PT) ausente ou deficiente
Todas atividades não rotineiras devem contar com PT formal, includindo AR anexada. A falta desse documento formal impede a execução. - Comunicação deficiente ou inexistente
Sem sistemas de comunicação confiáveis — seja rádio, sinais visuais ou aparelhos emergenciais — ambientes com grande extensão ou altura elevada tornam-se inseguro. A ausência de rota de resgate ou comunicação imediata é impeditiva.
Identificação e Registro de Condições Impeditivas
Inclusão na Análise de Risco (AR)
A AR deve listar explicitamente todas as condições impeditivas para o trabalho em altura com cordas – fatores que invalidariam a operação ou exigem suspensão imediata.
Procedimentos Operacionais
Para atividades rotineiras, o procedimento operacional deve conter seção dedicada às condições impeditivas. Isso permite a equipe identificar e agir conforme critérios pré-estabelecidos.
Treinamento e Conscientização
O treinamento deve capacitar o trabalhador a reconhecer condições impeditivas e suspender a atividade quando identificadas, além de comunicar a hierarquia.
Boas Práticas e Critérios de Suspensão de Atividades
Critérios de Decisão para Suspensão
- Qualquer condição não prevista ou não mitigada que comprometa a segurança imediata.
- Mudanças ambientais imprevistas (vento, chuva, raio).
- Falhas nos sistemas de ancoragem ou queda do equipamento.
- Sinais de debilitação física, emocional ou concentração do trabalhador.
Ações Prévias à Suspensão
- Reavaliar a análise de risco com base na nova condição.
- Tentar mitigação imediata: ajuste na ancoragem, proteção coletiva, pausa para recuperação do trabalhador.
- Comunicação clara com a equipe e liderança.
Reative a Atividade Somente Quando…
- Condição insegura for eliminada ou controlada efetivamente.
- Nova análise de risco ou complementação for feita.
- Supervisor autorizar retomada e a situação estiver documentada.
6. Estudos de Caso e Exemplos Práticos
6.1. Ventos fortes em altura
Segundo a NR‑35, ventos superiores a 40 km/h devem resultar na suspensão imediata das atividades de trabalho em altura, pois geram efeitos de balanço no trabalhador e sobrecarga nos pontos de ancoragem, podendo causar falhas estruturais ou perda de controle durante a operação.
Estudos internacionais, como o IRATA Industrial Rope Access Code of Practice, indicam que ventos equivalentes à força 6 na escala de Beaufort (~10,8–13,9 m/s, ou 39–50 km/h) devem interromper o serviço, especialmente em superfícies de construção metálicas ou leves, onde há maior sensibilidade às rajadas.
Caso prático hipotético: Durante manutenção de fachada em torre metálica, sensores registraram rajadas de 45 km/h e a corda principal começou a oscilar lateralmente, gerando esforço de cisalhamento no anel principal de ancoragem. Sem redundância com ponto adicional e sem sistema de proteção coletiva, a equipe interrompeu o serviço imediatamente, conforme AR auxiliar recomendava, evitando pane crítica.
6.2. Saúde do trabalhador comprometida
De acordo com a NR‑35, trabalhadores que apresentem sintomas como tontura, fadiga extrema, náusea ou mal-estar têm direito de interromper a atividade e devem ser afastados até que a condição seja avaliada ou revertida .
Exemplo em campo: técnico que realiza inspeção por corda em silo relatou visão turva e mal-estar após exposição prolongada ao calor. Embora estivesse dentro das normas de treinamento e aptidão formal, supervisionou-se sua saída do sistema suspenso. A análise identificou risco de síncope e queda vertiginosa; a equipe reavaliou a AR e suspendeu a atividade até novo atestado médico e readequação das pausas de hidratação.
6.3. Equipamento comprometido
A NR‑35 exige inspeções regulares de cordas, talabartes, mosquetões e sistemas de absorção, com substituição imediata se constatado desgaste ou certificação vencida. A cada dois anos, é recomendável submeter cordas a ensaios de certificação por entidade reconhecida, com registros documentados.
Estudo de incidente real: em uma operação de acesso por corda em uma plataforma industrial, o talabarte de posicionamento apresentava pequenas abrasões não visíveis sem desmontagem parcial. Uma vez identificado, a equipe interrompeu a subida, declarou condição impeditiva até a substituição do talabarte e ensaio certificado de nova corda instalada, conforme AR revisada.
Considerações Finais e Recomendações
Resumo dos Principais Pontos
- Condições impeditivas para o trabalho em altura com cordas incluem aspectos técnicos, ambientais, humanos e organizacionais.
- Devem ser claramente definidas, comunicadas e registradas na AR e nos procedimentos.
- Treinamento adequado e capacitação do trabalhador são fundamentais.
Recomendações para Empresas e Profissionais
- Realizar Análise de Risco completa incluindo checklist atualizado de condições impeditivas.
- Incorporar esses critérios em procedimentos operacionais e Permissões de Trabalho.
- Promover treinamento contínuo e simulações para reconhecimento e ação diante de impeditivos.
- Utilizar supervisores competentes e sistema de comunicação em campo.
- Garantir inspeção prévia de todos os equipamentos e condições ambientais.
Impacto na Segurança Ocupacional
A adoção rigorosa dessas práticas reduz drasticamente incidentes por quedas, protege vidas e evita penalizações trabalhistas e regulatórias.

